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A Normalização Contabilística em Portugal

 

 Conferência Comemorativa dos 30 anos do POC

Foi com o auditório praticamente lotado que se deu início no passado dia 7 de Fevereiro de 2007 à Conferência “A NORMALIZAÇÃO CONTABILÍSTICA EM PORTUGAL  - a propósito dos 30 anos do POC”.

Uma realização conjunta da Inspecção-Geral de Finanças (IGF) e da APOTEC, que teve como principal entidade convidada a Comissão de Normalização Contabilística (CNC).

Na abertura da conferência ouviram-se dois discursos: o do Presidente da Direcção Central da APOTEC, Sr. Manuel Patuleia e o do Sr. Inspector-Geral de Finanças, Dr. Leite Martins.

O Presidente da Direcção Central agradeceu a presença dos participantes e em especial à IGF por ter aceite o convite da APOTEC para, em parceria, comemorar os 30 anos da normalização contabilística, que com vantagens e inconvenientes, constitui para os técnicos da contabilidade um marco importante no desempenho das sua actividade profissional, na medida em que se passou a dispor de um código de regras e procedimentos. Cumprindo os objectivos para que foi constituída, referenciou que a APOTEC destaca a valorização e formação profissional, tendo transmitido a mensagem do POC ao longo destes anos, e procurará face à eminente realidade de uma nova normalização contabilística, proporcionar aos profissionais o apoio necessário na sua actuação profissional.

O Senhor Inspector-Geral de Finanças, na sua alocução, deu as boas vindas a todos os participantes e enalteceu a iniciativa da APOTEC pelo momento tão oportuno da realização da conferência, à qual a IGF se associou desde a primeira hora atendendo à importância que atribui ao desenvolvimento da contabilidade e à sua relevância na prossecução da sua missão, a que acresce o facto da CNC funcionar na sede da IGF. Depois de se referir a aspectos marcantes da actividade desenvolvida nos 30 anos que se passaram desde a publicação do POC, felicitou a CNC na pessoa do seu Presidente, Dr. Coelho Garcia, e da Presidente da Comissão Executiva, Dra. Isabel Silva. A terminar a sua intervenção, o Dr. Leite Martins felicitou também a APOTEC pelos seus 30 anos de actividade e pela acção desenvolvida em prol do associativismo.

 
De acordo com o programa dos trabalhos a Dra. Isabel Silva foi a primeira oradora e desenvolveu o tema “A Normalização Contabilística em Portugal na Óptica da CNC”.


Começou por fazer algumas notas de enquadramento relativamente aos marcos que caracterizaram a evolução da normalização contabilística em Portugal, desde o DL. 47/77, que aprovou o Plano Oficial de Contabilidade, passando pelo DL. 410/89, que procedeu a alterações ao POC, contemplando os aspectos da 4.ª Directiva; pelo DL.238/91, que veio introduzir alterações no que se refere à consolidação de contas; até ao DL. 44/99, que introduziu a obrigatoriedade do sistema de inventário permanente, e as demonstração de resultados por funções.

Referiu-se depois à evolução da normalização contabilística na Europa, em especial ao Regulamento 1606/2002 que determina a adopção das Normas Internacionais de Contabilidade para as sociedades cotadas, dando, no entanto, aos Estados-membros a opção de permitirem ou exigirem, se assim o entenderem, a utilização dessas normas para outras entidades, e à Directiva 2003/51/CE, também designada “directiva da modernização”, cujo um dos objectivos é o de assegurar a igualdade das condições de concorrência entre as empresas comunitárias que aplicam as IAS e as IFRS e as que o não fazem.

Prosseguindo na sua intervenção, a oradora disse que, no contexto de evolução ao nível da Europa, surgiu, em 2002/03, o documento “Linhas de orientação para o novo modelo de normalização contabilística”, onde é feita uma avaliação dos instrumentos de normalização contabilística - o POC, as Directrizes Contabilísticas e as Interpretações Técnicas – e na sequência do qual está em curso no seio da CNC o desenvolvimento de um novo modelo de normalização contabilística (Sistema de Normalização Contabilística), a corporizar nos seguintes instrumentos legais: um decreto-lei, portarias e avisos.

O decreto-lei, ainda como projecto de diploma, cria o Sistema de Normalização Contabilística (Anexo ao DL), define as entidades a quem se aplica e contém referências à aplicação das NIC, ou seja vai repescar o que está no DL. 35/2005, mas permitindo que as entidades que optem pelas NIC não o façam carácter definitivo. O projecto contém referências à obrigatoriedade de realização de contas consolidadas, às dispensas e às exclusões e ainda uma pequena nota para pequenas entidades, aplicável apenas às cujo volume de negócios e o activo, sejam inferiores a € 500.000 e € 250.000, respectivamente. Contém também, em anexo, a Estrutura Conceptual.

O sistema de normalização contabilística define os instrumentos contabilísticos: bases para apresentação das demonstrações financeiras, modelos de demonstrações financeiras, códigos das contas, Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro e Normas Interpretativas.

As Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro serão uma adaptação das NIC/IFRS e para as pequenas entidades existirá apenas uma norma, com vários capítulos, baseada nas de aplicação geral, contendo os requisitos que se consideram mínimos para o reconhecimento, a mensuração e a divulgação.

As Normas Interpretativas serão as que clarificarão aspectos relacionados com as NCRF.

As portarias serão o veículo para a divulgação dos modelos das demonstrações financeiras e dos códigos das contas e os avisos divulgarão as Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro, gerais e para as pequenas entidades, e as Normas Interpretativas.

Para terminar, a Dra. Isabel Silva fez um ponto de situação dos trabalhos da Comissão Executiva da CNC, à data de 31 de Janeiro de 2007, estando já concluídos o projecto de Decreto-Lei, 19 das 28 NCRF previstas e a norma aplicável às pequenas e médias empresas. Os restantes instrumentos encontram-se ainda no âmbito dos grupos de análise das NIC e do grupo de homogeneização, constituídos no seio da CNC para dar corpo à obra.

O segundo orador a tomar a palavra foi o Dr. Rogério Rodrigues, que abordou o tema “POC actual: vantagens e inconvenientes”.

Começou por congratular-se pelos 30 anos de glória que o POC já viveu e fez referências como infra-estrutura que acomodou que as alterações que lhe foram introduzidas por força da aprovação do Código das Sociedades Comerciais, do Código do IVA e do Código do IRC e associou a esse período de glória o meritório desempenho de todos os membros dos órgãos da CNC e a sã convivência com outras entidades com intervenção na matéria, de que destacou a CMVM.

Apesar do período de glória, salientou a necessidade imperial de alterar o POC, consequência da erosão das suas regras, e para isso muito terão contribuído, desde logo, as Directrizes Contabilísticas que em boa hora foram adoptadas pela CNC e bem assim a alteração introduzida em 2005, nomeadamente por as sociedades cotadas na bolsa passarem a ser obrigadas a adoptar as NIC emanadas do IASB.

Nesta nova realidade, considerada irreversível, o Sistema de Normalização Contabilística, designação com a qual está inteiramente de acordo, deixará de ser um modelo assente em regras, como ainda o é o POC, para passar a ser algo mais atractivo, mais directo, comportando algum dinamismo, e que entroncará em si vantagens e inconvenientes, mas ao mesmo tempo exigindo mais trabalho da parte da CNC. Expressou também neste contexto a opinião de que deverá ser repensado e alterado o regime de funcionamento da CNC, designadamente na perspectiva do seu financiamento e da existência de alguns membros em regime profissionalização.

Relativamente às vantagens e desvantagens do POC actual, identificou e desenvolveu três temas: Comparabilidade da informação, ensino da contabilidade e a questão dos TOC/Gabinetes de Contabilidade.

Considerou, com efeito, que o POC está impregnado de uma dificuldade e uma vulnerabilidade que tem a ver com a comparabilidade das demonstrações financeiras.

Efectivamente, as normas emanadas do IASB contribuem para assegurar a comparabilidade do desempenho das entidades empresariais, quer numa perspectiva de conteúdo, quer nas notas anexas e facilitam a actuação do investidor, quando colocado em diversos papeis, ao saber efectivamente o que uma entidade faz em relação a outra.

Neste domínio, e quanto às demonstrações financeiras, o POC actual não lhes dá muita flexibilidade. Actualmente o balanço é bastante denso de informação, comparativamente com o do IASB, que aposta numa maior agregação da informação e certamente com uma utilidade mais direccionada para o investidor. Também o anexo actual encerra em si uma notória dificuldade para o leitor médio, que pretenda obter determinada informação, contrariamente ao modelo proposto pelo IASB. Se há matéria onde o POC deve ser objecto de algumas alterações, para o dotar melhor da expectativa criada pelo relato financeiro, é precisamente em torno da informação de natureza qualitativa. Com efeito, embora melhorada relativamente ao padrão inicial, ainda não está suficientemente conseguida.

Ao nível do ensino da contabilidade, o orador considera que o actual POC também não é propriamente muito atractivo. O enfoque tem sido colocado essencialmente numa perspectiva registral, que é a menor da contabilidade. Com o advento das NIC, é dada uma oportunidade aos docentes para motivarem mais os alunos, numa perspectiva mais ampla e geral de integração da contabilidade, ou seja, utilizando um termo dos dias de hoje, da globalização. Até agora a contabilidade é comunicada como uma realidade fechada, maçuda, cujo output é quase exclusivamente o reporte ao fisco. Esta é apenas uma parte e não o todo. Não é desejavelmente a perspectiva mais nobre da contabilidade.

O terceiro aspecto focado, que poderá constituir uma oportunidade para os profissionais, refere-se à informação produzida pelos TOC/Gabinetes de Contabilidade, que tem que dar um salto qualitativo, produzindo informação para o empresário ou seja permitindo perceber o que está a ser feito no negócio, via que permitirá estimular a concorrência já existente, mas agora numa perspectiva profissional em detrimento da concorrência desleal.

O orador exprimiu, a concluir, uma necessidade de inovação e mudança e admitiu que a forma actual tem, sem dúvida, os dias contados.

Por último, o terceiro tema “Normas Internacionais de Contabilidade: Questões fundamentais que se colocam para a sua aplicação” foi desenvolvido pelo Dr. José Araújo, que começou por referir que estamos a viver um período de enorme perturbação contabilística, que em sua opinião está muito longe de estabilizar e é mais ou menos evidente para as empresas e para todos os profissionais do sector.

Para a criação de um Mercado Financeiro Europeu, capaz de competir com os maiores mercados mundiais, necessariamente a EU terá que ter normas de relato financeiro comuns para esses mercados. É essencial garantir a comparabilidade nas decisões de investimento, e portanto essa comparabilidade assegura-se essencialmente com a existência de padrões de reconhecimento, mensuração, apresentação e divulgação que sejam comuns às empresas, dentro desse mercado, independentemente da sua actividade ou do seu negócio. É essencial criar condições de comparabilidade para os investidores globais, não só no seio do espaço europeu, mas também para todos os que aqui poderão realizar os seus investimentos.

Referiu-se a dois factores que considerou fundamentais para a existência de alguns constrangimentos na aplicação das NIC: o primeiro é de ordem fiscal e o segundo prende-se com questões económicas dos sistemas de informação.

O primeiro resulta desde logo do Regulamento 1606/2002, que impõe a obrigatoriedade de utilização da Normas Internacionais de Contabilidade apenas para as contas consolidadas, não havendo portanto obrigatoriedade da sua aplicação às contas individuais a consolidar e, sobretudo, da imposição dos Estados-membros, relativamente à necessidade que estes têm de controlar a contabilidade para fins fiscais. Esta é nomeadamente, uma constatação que se retira do DL. 35/2005, que no seu artigo 14.º determina, para efeitos fiscais, a manutenção do normativo nacional, e portanto, as empresas neste momento são obrigadas a ter contabilidade para efeitos de relato internacional, de acordo com as NIC, e para efeitos fiscais, de acordo com as normas nacionais. As empresas têm, assim, de manter dois modelos de contabilidade em simultâneo. Ora isto, é no mínimo, perda de eficiência. Numa era da competitividade, a redução de custos e o aumento da eficiência não parece ser consentâneo com o facto de ter dois sistemas de contabilidade. Referiu-se ainda à expectativa quanto à forma como o tema será tratado na sequência da autorização legislativa contida no Orçamento do Estado para 2007.

O segundo factor, ou seja, os constrangimentos na aplicação das NIC, têm ainda a ver com a durabilidade dos sistemas de informação, e para isso é necessário mais informação, em menos tempo e com maior qualidade.

Prosseguindo a sua alocução, o orador destacou três grandes desafios nacionais, e nenhum deles de ordem técnica, o que leva a deduzir que para os profissionais, em Portugal, não existem dificuldades do ponto de vista da interpretação das normas, em termos técnicos.

O primeiro prende-se com aquilo a que chama cultura contabilística instalada no país, e que necessariamente terá de se alterar para que se possam adoptar os normativos internacionais. Exige-se uma alteração significativa na visão que a administração, os gestores e os profissionais têm da contabilidade, deixando a informação de ser apresentada numa óptica de registo de operações para efeitos fiscais, para estar ligada à estratégia da empresa, nomeadamente aos mercados, investimentos, produtos e seviços.

É ainda necessário alterar a visão da contabilidade que segue apenas fins fiscais e transformá-la numa contabilidade que permita medir o desempenho da empresa. Aliás as NIC trazem uma nova demonstração financeira que visa fazer uma avaliação de desempenho de uma forma mais lata, renunciando à leitura restrita do resultado líquido e avaliando o desempenho da empresa numa óptica da variação do capital.

A segunda exigência que se coloca, não só aos profissionais da contabilidade, mas também aos gestores/administradores capazes de responder às necessidades que resultam da aplicação das normas, prende-se com o domínio dos conceitos básicos, que são utilizados para produzir informação financeira - noção de activo, justo valor, balanço, fluxos de caixa, recuperação do investimento ou modelos de recuperação de investimento, amortização e o que isso significa. Que recuperação do investimento se está a fazer por via das amortizações, ajustamentos/provisões, crédito, valor temporal do dinheiro? É necessário dominar conceitos, mais que dominar o POC, que hoje em dia não é nenhuma valorização contabilística, mas apenas uma forma de registo.

Depois é necessário mudar a lógica da conta para a lógica da compreensão das operações. Mais importante que saber que contas se creditam ou debitam, é verdadeiramente importante saber que operações estão a ser desenvolvidas na organização e que efeitos têm nas demonstrações financeiras.


Outra exigência que se coloca aos profissionais da contabilidade, em Portugal, resulta de questões relacionadas com os sistemas de informação e o desenvolvimento das telecomunicações e da informática, que têm obviamente proporcionado grandes vantagens. Mais tecnologia e mais sistemas implicam mais informação em menos tempo e com mais qualidade. Ter estas três variáveis a funcionar em simultâneo é relativamente complicado e relacioná-las com os sistemas de informação ainda pode ser mais complexo, não podendo nem a gestão nem os profissionais de contabilidade deixar de dominar o desenho, a gestão e o controlo dos sistemas de informação da organização por terem influência nos sistemas contabilísticos, não obstante o forte interesse dos responsáveis pela informática das empresas em dominar esta situação, controlando os fluxos de informação.

O controlo de acesso e segurança dos dados é outro vector importante, especialmente porque os processos contabilísticos estão cada vez mais desmaterializados e cada vez menos assentam em documentos, surgindo uma preocupação crescente: Quem introduz os dados? Para fazer que operação e com que parametrização? Em que termos essa operação e parametrização se reflectem na informação baseada nos modelos de demonstrações financeiras? Há cada vez mais a necessidade de investir em sistemas horizontais de tratamento de dados, para aplicação em redes contabilísticas. Mudar os sistemas convencionais verticais (1.º nível - dados, 2.º nível - utilizadores, 3.º nível - aplicações de dados) para sistemas horizontais (1.º nível – utilizadores, 2.º nível - aplicações de dados, 3.º nível - dados).

O terceiro desafio tem a ver com a qualidade da Auditoria e os cuidados a ter com a aplicação das NIC, pois estas dão maior latitude e portanto possibilita às empresas definirem políticas e critérios, o que se traduz numa maior preocupação por parte dos auditores relativamente à adequação de pressupostos fixados pela administração, a consistências das políticas contabilísticas definidas e aplicadas e a garantia da existência de divulgações suficientes, a fim de poder proporcionar um relato financeiro adequado.

A Auditoria bate-se ainda com um outro desafio, que tem a ver com a recolha da prova de auditoria em ambientes desmaterializados, sem papéis/documentos. Já existem programas que permitem recolher a prova em ambientes desmaterializados, mas não deixa de ser um desafio, que envolve um elevado grau de salvaguarda de responsabilidades do Auditor.

Por fim, o orador salientou, no seu entender, um desafio que também se coloca às próprias normas, a que chamou ponto crítico e que tem a ver com o não reconhecimento dos intangíveis. Na era do conhecimento e das competências, os principais activos das organizações, aqueles que criam valor, os que fazem com que as empresas sejam competitivas no longo prazo, não estão reconhecidos no balanço, não são activos reconhecidos no modelo das NIC.

Não são só um problema de conhecimento e mensuração, mas também um problema de garantia que os fluxos são reconhecíveis e portanto a verdade é que do ponto de vista daquilo que se espera da análise do desempenho, ficamos um pouco à quem, porque no desempenho temos de ver quais são os activos investidos no negócio e parte substancial dos activos que podem proporcionar benefícios não estão reconhecidos à face do balanço. O que gera uma preocupação contabilística do ponto de vista da utilidade do próprio balanço, são os novos instrumentos da gestão de activos que têm sido desenvolvidos (um deles o Balanced Scorecard) e que acaba por desviar um pouco aquilo que é a análise estritamente económica/financeira e ter outras dimensões na análise de desempenho. O modelo contabilístico poderá perder algum protagonismo relativamente à sua utilidade para a tomada de decisões estratégicas.


A conferência teve também, para além de uma pausa para saborear um café acompanhado de uns biscoitos, um tempo de debate onde os participantes puderam emitir as suas opiniões.

A APOTEC congratula-se com a aderência que este evento teve e promete outras realizações ao longo do ano de 2007 para comemoração dos seus “30 Anos ao Serviço da Profissão”